ARTESÃO DA LITERATURA

domingo, 28 de junho de 2015

OS COLECIONADORES DE GRILOS



    
A história já tem mais de duas décadas. As crianças existiram de fato, e hoje tornaram dois grandes amigos virtuais: um parece que escolheu como ofício a engenharia florestal, a outra, a carreira de jornalista. Quando crianças atendiam pelos nomes simples de Iberê e Dandara, hoje, assinam com nome e codoninome: Iberê Marti e Dandara Palmares. Desconheço a razão do Marti e também do Palmares, pois são filhos dum casal com sobrenome Moraes.
Então vamos ao ato: foi no início dos anos 90 do século passado, quando morei em Porto Alegre do Norte, lá nas bandas da região Centro-Oeste do país que conhecemos o casal, que eram os pais das crianças que brilhavam durante o dia e à noite eram iluminados como a Lua. Tinham a natureza nos pés, e corriam pela floresta com a propriedade dos donos do pedaço. Passavam tardes com os passarinhos, com as cobras e os lagartos, à beira dos rios e dos riachos, só reapareciam quando o dia estava a fim dum descanso.  Aí voltavam para casa e eram as crianças mais felizes que já vieram à Terra.
     Às vezes, penso que se a liberdade tivesse registro, ele teria os nomes dos pais dessas crianças: Valdo/Benvinda, que se somados aos dos pequenos, seria a mais fina e pura tradução (pra plagiar o baiano) duma das maiores utopias da história da humanidade.
Lembro como se fosse hoje da menina me questionando: “Este Flávio só fala que num pode, que num pode, que num pode! Como é que pode, num podê nada?”, e eu só achava graça, sem entender direito pra que tanta liberdade.
      Mas foi o menino que, definitivamente, me surpreendeu:
     Num começo de noite, quando a mãe já aparentava uma ligeira preocupação com as crianças que não chegavam, e nós ríamos com as histórias do Valdo sobre a existência do homem e dos bichos (histórias contadas com pormenores poéticos e filosóficos), os  dois pequenos entraram correndo pela casa, que era uma choupana dividida em duas partes: a reservada como dormitório e biblioteca, e a reservada para conversa com amigos, em meio à comida e cafés infinitos; e o Iberê esbaforiu seu entusiasmo: “Mãe, agora tô cheio de grilos!”. A Benvinda logo demonstrou a sua preocupação: “Cheio de grilos... na cabeça?” – “Não, não, mãe! Cheio de grilos, aqui, nesta caixa de fósforos!” – “Aí, nesta caixa de fósforos? Solta este bichinhos... eles irão morrer!” – “Não, não... eles ficarão comigo até amanhã!” A mãe então aceitou. O menino já sabia das coisas, desde pequeno. 
O Iberê então correu de novo para o quintal, colocou a caixinha de fósforo aberta perto dum tanque de lavar roupas e esperou pra ver se os grilos não iam embora. Como eles ficaram quietinhos ali, ele correu pra nos chamar: “Venham, venham ver... é bem rapidinho!” – Então saímos todos e fomos até perto do tanque.  E não é que aqueles grilos do mato, verdinhos como as folhas, começaram a cantar, até atraíram três lindas fêmeas, e começarem a copular. Um amor que parecia não ter fim. Que sorte esta nossa!




ARTESÃO AMIGO:
 

 FLÁVIO LUIZ COSTA


Sou eu:
Luiz Costa de sobrenome
Flávio para os mais ou menos íntimos
Tímido, mas não intimidado (pela política e pela polícia)
É assim que vou
Pra frente, quando não de lado
De lado, quando não para trás.
Professor, mais que poeta
Menor professor, maior poeta
Nascido no São José
Vilarejo de Pirituba
Numa casa, numa rua de número 4 A
A rua, não a casa que era de nº 22, mais que tinha o A também.
Filho do DOM SEBASTIÃO
E da minha santa JUDITH
Por isso fiquei assim: filho do rei e da santa
 Uma quase santidade.
Por isso tudo... amém!

sexta-feira, 26 de junho de 2015

ZÉ DO GATO

André Jorge
    


 Zé do Gato era o mestre-sala da Favela do Fogo Cruzado, onde as balas não são de hortelã, as bombas não são de chocolate e as granadas não são bombons de licor.
     Ninguém se atrevia a meter-se a besta com o Zé, não senhor! Príncipe da malandragem, sua especialidade não era apenas o desfilar na avenida dos seus perdidos carnavais. Ele era também “dotô” na capoeira, mestre no fio da navalha e na chapa-de-pé.
  


   Seu pandeiro era desafio e desacato. Ganhou o apelido que o tornou popular pela arte de saltar muros altos nas horas extras e fazer a limpeza na casa dos otários que se encontravam em seus locais de trabalho. Mas, principalmente, pela perseguição diária e cruel que fazia aos gatos da redondeza, cujas carnes comia ruidosamente em engraçadas e deprimentes “ga-churrascadas”, e cujos couros curtia pendurados nos varais, como as “nossas roupas comuns dependuradas” de uma canção antiga chamada Chão de Estrelas. Gato que se espreguiçasse perto do Zé, acabava mesmo desfilando em algum carnaval, não como puxador ou passista, mas como pandeiro mesmo!
     Como não há valentia que sempre dure, nem gato que tenha realmente sete vidas, o Zé acabou sendo encontrado no seu barraco de zinco, enquanto a lua “Salpicava de Estrelas” o seu chão, numa quarta-feira talvez de cinzas, furado de bala, cortado de navalha e curtido que nem presunto magro quando fora da geladeira.
     A Favela do Fogo Cruzado respeitou as duas horas de luto oficial pela morte do seu grande e gatuno herói, que permanece até hoje esquecido inesquecivelmente para sempre... 
O ARTESÃO DESTE TEXTO:




Nasceu aos 21 de abril de 1958 na Capital de São Paulo. Durante algum tempo de sua infância morou no sítio de sua família, no sul de Minas Gerais, com seu pai e seu avô que liam bastante, e acabaram dando a ele o bom gosto da literatura. Alguns anos mais tarde, habituado às constantes consultas a enciclopédias e ao diário conhecimento de clássicos  brasileiros, foi se interessando pela História do Brasil e pela beleza da escrita dos nossos maiores mestres, resolvendo assim, arriscar-se a escrever crônicas  e poemas. Observou em breve tempo as imensas dificuldades da arte, não apenas em nosso país, como em toda a parte, mas mesmo assim prosseguiu sua jornada de letras, sonhos e realizações pessoais, em função da fé em suas verdades. 



quarta-feira, 24 de junho de 2015

CABOQUINHO SACUDIDO

Caboquinho sacudido

Era o Zé trabaiadô
Ca inxada distimido
Capinava fruta e frô

Foto: Malinche
Cumia os pexe do rio
Bibia as pinga da venda
Gimia di noiti di frio
Vivia sem bera sem renda

Sozinho no meio do mato
Sonhava avuá de avião
Que ia no ar tão pesado
Com seu cigarrinho na mão

Pra onde será que ele ia
Tão cinza e tão longe no céu?
Tarveis pra Goiás pras Bahia
Um anjo com asa e sem véu!

E Deus vendo o Zé tão tristinho
Prantado no chão pelos pé
Abriu no espaço um caminho
Prum vôo nas gaza da fé

As semente viraro em pranta
As verdura da horta vingô
Quem passa na roça se espanta

Com o sonho que o Zé curtivô




O ARTESÃO DESTE TEXTO:
ROBERTO DE LACERDA 


Nasceu aos 21 de abril de 1958 na Capital de São Paulo. Durante algum tempo de sua infância morou no sítio de sua família, no sul de Minas Gerais, com seu pai e seu avô que liam bastante, e acabaram dando a ele o bom gosto da literatura. Alguns anos mais tarde, habituado às constantes consultas a enciclopédias e ao diário conhecimento de clássicos  brasileiros, foi se interessando pela História do Brasil e pela beleza da escrita dos nossos maiores mestres, resolvendo assim, arriscar-se a escrever crônicas  e poemas. Observou em breve tempo as imensas dificuldades da arte, não apenas em nosso país, como em toda a parte, mas mesmo assim prosseguiu sua jornada de letras, sonhos e realizações pessoais, em função da fé em suas verdades.